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Violência

Notícia dos EUA: duas docentes à pancada numa sala de aula, pais chocados pedem que ambas sejam despedidas. Parece-vos bem? Pois a mim parece-me muito mal. Ninguém está a querer saber se uma das mulheres agrediu a outra e esta só se defendeu. Num país onde se pode disparar sobre um intruso no nosso quintal não se pode afastar com um soco quem nos está a espancar? Toda a gente tem direito à legítima defesa, em teoria, mas na prática isso não se aplica nas escolas - nos EUA como no resto das Américas e na Europa. É isto a educação para os Direitos Humanos?

O que é feito do ditado "quem cala consente"? Se aceitamos a violência não somos parte da solução, somos parte do problema, mesmo quando somos nós a vítima. Os pais que pedem o despedimento das duas docentes sem apuramento de responsabilidades estão a passar para os filhos a mensagem de que a atitude certa perante uma agressão é não ripostar e deixar-se espancar, até o agressor estar suficientemente cansado para parar ou até a vítima ficar inconsciente ou morrer e é esta também a mensagem que se passa nas escolas. Lembro-me muito bem de ir separar uma briga no recreio, perguntar quem começou e ouvir uma testemunha dizer: "não interessa quem começou, bateram os dois, são os dois culpados, devem ser castigados".

Isto é um atentado aos Direitos Humanos!

O artigo 21º da Constituição da República Portuguesa diz: "Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública". Numa escola isso implica que um aluno que é agredido quando não há um adulto por perto tem o direito de bater no agressor em legítima defesa. E o que querem que ensinemos aos nossos alunos? Que quando nos agridem temos de aguentar, que só se ficarmos quietos a levar pancada é que somos bons cidadãos, que se nos defendermos merecemos castigo. E o mais ridículo é que depois de ensinarmos isto aos miúdos devemos tentar prevenir o bullying e lutar contra a violência doméstica. Como? Dizemos "leva pancada e cala-te" e depois esperamos que denunciem violência? Como vão fazê-lo, se quem é culpabilizado é a vítima sempre que não sofre em silêncio?

Temos que ensinar às nossas crianças a diferença entre agressão, legítima defesa, excesso de legítima defesa e vingança.

É muito simples: se batemos em alguém que não nos tocou é agressão, se nos desatam a dar socos e damos um soco no atacante e nos afastamos, é legítma defesa; se damos um soco em quem está a espancar outra pessoa, para o fazer parar, é legítma defesa de outrem; se nos dão um soco e damos 20 facadas no atacante é excesso; se nos dão um soco numa segunda-feira e damos um soco no atacante na sexta-feira seguinte é vingança. Só a legítima defesa, o "repelir pela força qualquer agressão" é que é um direito nosso, só aí temos a razão e a lei do nosso lado, tudo o resto é violência injustificada.

Quando entrei para a escola a minha mãe disse-me: "nunca batas primeiro, mas se te baterem não te fiques, bate também". Com base nesse ensinamento nunca criei sarilhos e parei duas bullys, duas miúdas minúsculas que aterrorizavam todas as crianças educadas para nunca reagirem violentamente. Deram-me uma bofetada, levaram outra e nunca mais me bateram e até diminuiram a violência para com outros miúdos. Porquê? Porque eram ainda muito pequenas e aprenderam a tempo a lição de que violência gera violência. Estas miúdas passaram meses e anos a bater em todas as outras crianças para obter tudo o que queriam e estavam mesmo convencidas que o sistema resultava até levarem uma bofetada de volta. Hoje em dia muitos miúdos chegam ao Secundário sem nunca terem levado a bofetada que os ia fazer acordar a tempo, quando ainda eram suficientemente crianças para aprender espontaneamente outro caminho. Dizer "a violência não é solução" está certo para parar vinganças, não em relação à legítima defesa; a violência nunca deve ser usada a médio ou longo prazo, é uma solução de emergência para impedir alguém de lesar os nossos direitos ou os de outrem.

A médio prazo do que precisamos é de introduzir nas escolas gabinetes de mediação de conflitos. Todos os professores que são mais ou menos populares entre os alunos já passaram por isto: um miúdo vem ter connosco com queixas de um seu colega, o colega chega e diz a sua versão e quando damos por isso estamos a fazer espontaneamente mediação de conflitos no intervalo, entre o pavilhão e a sala de professores! Os alunos deviam poder marcar audiências para resolverem os seus conflitos a frio, com calma e de uma forma construtiva e estruturada com base na lei, com a ajuda de um professor ou outro profissional qualificado. Aí sim, podíamos finalmente ter Educação para os Direitos Humanos, ao explicar na prática quais são os direitos e os deveres de cada um e quando é que alguém está a ultrapassar os limites. Os professores não têm que dar educação aos alunos, têm que dar instrução, mas há uma excessão a essa regra: as relações interpessoais dentro da mesma faixa etária. Os pais não têm meios para educar os filhos no trabalho em grupo ou na convivência com os colegas, nós, professores, é que lidamos com eles nessa parte das suas vidas e por isso acho que essa parte da educação nos cabe a nós e aos outros profissionais ligados ao ensino. Quanto aos professores em conflito têm que se apurar responsabilidades e manter o princípio de "inocente até que se prove a culpa" em vez da atitude "bateram os dois, são os dois culpados - de nos incomodar com uma cena desagradável"!

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